Por Dra. Ludmyla Jungmann Godoy | @dra.ludjungmann
Hoje, a doença que mais provoca morte de mulheres no mundo é a Doença Arterial Coronariana (DAC), mais do que o próprio câncer de mama.
Como e por que isso acontece?
É possível mudar essa realidade?
Como o alterismo pode contribuir para mudar essa estatística e ajudar a revolucionar a arte do cuidar?
Talvez você não saiba, mas o fato é que os estudos científicos são feitos e publicados em sua maioria por homens, que utilizam como sujeito de pesquisa apenas o sexo masculino, como veremos adiante no “escore” de risco mais famoso para identificar quem pode morrer de infarto em todo planeta.
Segundo a ONU, as estatísticas de estudos de gênero de qualidade, dados segregados por sexo e outros conhecimentos relevantes são fundamentais para alcançar a igualdade de gênero.
A ferramenta mais utilizada por cardiologistas e médicos clínicos gerais para prever o risco cardiovascular em 10 anos, ou seja, quem tem maior risco de ter um infarto nesse intervalo de tempo, é chamado escore de risco de Framingham.
A limitação dessa ferramenta é que ela subestima o risco cardiovascular em mulheres, pois foi desenvolvido com base na pesquisa de homens, ou seja, a comparação foi feita apenas com o sexo masculino.
Sua fórmula utiliza a idade, colesterol LDL e HDL, pressão arterial, tabagismo e diabetes, mas não leva em consideração os níveis de proteína C reativa, um fator que alguns especialistas consideram crítico na avaliação de risco, especialmente em mulheres na pós-menopausa.
Estudos científicos demonstram que a queda dos níveis de estrogênio que ocorre na menopausa também é um fator de risco para a DAC. Assim, o coração das mulheres está com maior risco de adoecer devido a presença/início da menopausa, menopausa precoce, complicações na gestação como pré-eclampsia, eclampsia e DM (Diabetes Melitus) gestacional.
O escore de Reynolds, outra ferramenta utilizada na avaliação de risco de DAC, acrescenta a proteína C reativa (PCR) e o antecedente familiar de doença coronária prematura e estima a probabilidade de infarto do miocárdio, AVC, morte e revascularização em 10 anos, mas não é muito conhecido pelos médicos que fazem a avaliação de risco.
Outra ferramenta utilizada e que leva em comparação o sexo é da OMS/ISH, que superestima o risco em comparação com o modelo de alta informação.
Assim, sabendo que existem falhas nas consultas médicas cardiológicas, principalmente quando o assunto é a saúde da mulher, deve-se colocar em prática a tomada de decisão compartilhada com a médica ou o médico, a fim de ter um resultado melhor para a prevenção de doenças cardiovasculares.
A verdade é que os profissionais de saúde não estão com foco voltado a tratar a pessoa doente e sim tratar a doença.
Um artigo de abril de 2003, publicado no American Journal of Public Health, descobriu que os médicos precisariam gastar 7,4 horas por dia em prevenção para atender a todas as recomendações da Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA.
No Brasil, considero que essa estimativa de tempo seria muito maior, em função das dificuldades de acesso da mulher à médica ou ao médico e a jornada de trabalho, que dificulta a realização de exames e cuidados com sua própria saúde. O fato é que a mulher brasileira sempre coloca os demais familiares em primeiro lugar em detrimento da sua saúde.
A depressão e outros fatores psicossociais também têm papel importante na busca pela saúde cardiovascular feminina. Infelizmente, a política da maioria das empresas não dá espaço para que a colaboradora que está com algum problema em casa, depressão ou ansiedade, por exemplo, leve essas questões ao médico do trabalho e, assim, tenha garantido o seu dia de trabalho para realizar exames preventivos.
De fato, as mulheres não podem nem pegar um atestado de saúde porque já são discriminadas por seus colegas mulheres e homens.
Um relacionamento baseado no alterismo (generosidade com limites) dentro das empresas ajudaria na diminuição do risco de doenças cardiovasculares que podem levar à morte silenciosa. Ao impor limite em sua generosidade, a mulher seria capaz de colocar seus próprios interesses em primeiro lugar e entender que é preciso estar bem para conseguir ajudar as pessoas que estão ao seu redor.
Por isso, é muito importante que nós mulheres saibamos que a médica ou médico precisa tirar um tempo da consulta para perguntar sobre a história, experiências, exercícios, dieta, estresse e ansiedade, além de estar atento a escutar sem julgamentos qualquer queixa.
Após ter conhecido o alterismo fiquei mais atenta a esses pontos nas minhas consultas, além de usar outros recursos para proporcionar mais bem-estar aos meus pacientes. Hoje percebo o quanto isso fez diferença na minha vida e na minha prática profissional diária.
Se você conhece, por exemplo, uma mulher diabética, você deve avisar que ela tem risco aumentado de ter doença cardíaca, mesmo que ela esteja se alimentando bem e se exercitando e que precisa fazer uma avaliação da saúde do seu coração.
A partir da década de 2000 houve um aumento substancial de mortes por DAC em mulheres e os homens mantiveram sua taxa de mortalidade estável para esta doença. Quanto mais mulheres entenderem esse cenário, menos sequelas e mortes teremos. A doença cardíaca é prevenível.
Para facilitar o entendimento, enumero alguns recursos disponíveis para o monitoramento da saúde cardíaca:
- Angiografia coronariana, também conhecida como cateterismo cardíaco ou CATE é o padrão ouro para o diagnóstico e confirmação de DAC, mas é uma técnica invasiva;
- Teste em esteira, também conhecido como teste ergométrico, é um método não invasivo para identificar qual paciente pode desenvolver a DAC, porém tem baixa sensibilidade e especificidade;
- Cintilografia de perfusão miocárdica de estresse (CPM) é um método não invasivo utilizado na avaliação da DAC e possui maior acurácia, é mais preciso do que a ecocardiografia de estresse para avaliar quem corre risco de ter um infarto do miocárdio. Ele também tem a vantagem de prever o risco sem qualquer disparidade de gênero.
Destaco os pacientes que necessitam de triagem para doença cardiovascular:
- Homens com 40 anos ou mais;
- Mulheres com 50 anos ou mais ou mulheres na pós-menopausa;
- Crianças com história familiar de hipercolesterolemia ou quilomicronemia.
Se você possuir uma ou mais das condições abaixo, independentemente da idade ou sexo, por favor marque uma consulta com sua médica ou médico:
- Diabetes;
- Hipertensão;
- Tabagismo atual;
- Obesidade;
- História familiar de DAC prematura (< 60 anos em parente de primeiro grau);
- Doença inflamatória (LES, artrite reumatóide, psoríase);
- Doença renal crônica (TFGe < 60 mL/min/1,73 m 2);
- Aterosclerose clínica;
- Infecção por HIV;
- Manifestações clínicas de hiperlipidemia (xantomas, xantelasmas);
- Disfunção erétil.
Parte da responsabilidade dessa elevação de mortes por infarto recai sobre os ombros das médicas ou dos médicos, disse Bairey Merz do Women’s Heart Center no Cedars-Sinai Medical Center, em Los Angeles. Ela fala de um estudo da revista Circulation, de fevereiro de 2005, onde descobriu que os médicos eram 40% menos propensos a identificar pacientes do sexo feminino do que do sexo masculino com alto risco de doença cardíaca, mesmo apresentando os mesmos fatores de risco que os homens. Mulheres com doenças cardíacas conhecidas também são menos propensas a receber aspirina e estatinas preventivas do que os homens, mostraram vários estudos.
A mudança de padrão da sociedade, onde as mulheres são encarregadas de tripla jornada de trabalho, aumento do tabagismo e vida sedentária, além do menor acesso à realização de exames pelas mulheres, por considerar que seus sintomas estão relacionados apenas ao cansaço pela sua vida atribulada, passou a ser um problema de saúde pública mundial.
Como médica cardiologista sugiro que existam nas políticas internas das empresas um esforço em certificar cada vez mais lideranças no alterismo, onde características específicas de gênero são consideradas e que passem a existir urgentemente diretrizes do coração da mulher na atenção primária como, saúde cardíaca pós-parto, arritmias, hormônio feminino e menopausa.
Fonte:
Cardiovascular Risk Scores in Women Undergoing Stress Myocardial Perfusion Scan and Comparison with Scan-Predicted Risk. Indian J Nucl Med. 2020 Out-Dez; 35(4): 305–309. Publicado on-line em 21 de outubro de 2020. doi: 10.4103/ijnm.IJNM_50_20.
Women’s Heart Center no Cedars-Sinai Medical Center, em Los Angeles.
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